PERGUNTA: Qual
é a diferença entre crença e confiança? Porque condenais a crença?
KRISHNAMURTI: Vejamos primeiramente
o que é crença e o que é confiança. Que quer dizer crença? Porque necessitamos
de crer? Não é porque temos o desejo de estar certos, seguros?
Psicologicamente, é perturbador não se ter uma crença, não é verdade? Se não
tendes crença em Deus ou num partido político, ficareis muito perturbados, não
é exato? O temor, a crença na reencarnação, e em dúzias de coisas. Nessas
condições, crença é uma exigência de segurança feita pela mente, e, por isso,
que acontece? A mente, procurando segurança, procurando a
crença, cria a crença. Ela a cria por si mesma, ou aceita as
crenças de outros, e, quer ela própria a tenha criado, quer a tenha recebido de
outros, a mente adota e diz “eu creio”. Ou, “projeta” a crença para o futuro e
faz dela uma certeza, uma garantia, de acordo com a qual a mente disciplina a
si própria.
Como fatores
diferentes só podem conduzir a crenças diferentes, um crê em Deus, e outro crê
que não há Deus. Um é maometano, outro hindu, outro cristão, e que acontece
então? O desejo de estar em segurança, psicologicamente, cria infalivelmente a
divisão, porquanto estais criando e dando importância a várias coisas que são
secundárias.
Vede o que a crença
está fazendo no mundo. Política ou religiosamente, há inúmeros planos, que
acreditais capazes de resolver as nossas dificuldades. Há crenças religiosas
extraordinariamente variadas, e cada indivíduo se atém à sua própria crença,
porque ela lhe dá conforto; e o individuo se torna um meio de propaganda e
exploração. A crença, inevitavelmente, divide.
Quando tendes uma crença e buscais a segurança em vossa crença pessoal, vós vos
separais daqueles que procuram a segurança em outras formas de crença. Por
conseqüência, todas as formas de crença se baseiam no separatismo, embora
preguem a fraternidade. É precisamente o que está acontecendo no mundo,
porquanto a crença é uma oculta exigência psicológica de preenchimento. Isto é,
com preencherdes a vós mesmos mediante uma crença, pensais que sereis felizes.
É por isso que a crença se torna um fator extraordinariamente importante, na
religião, na política, etc...
Se vos sentísseis um
ser humano, julgais que estaríeis lutando por essa maneira? Sois um hindu a
lutar com um muçulmano e a vos matardes mutuamente; os ingleses lutaram contra
os alemães, assim por diante. Como vimos, a crença se forma em virtude do desejo
de preenchimento, de segurança e porque reclamamos segurança e lutamos para
alcançá-la, temos um fim, um objetivo, e esse fim é uma “projeção” de nós
mesmos. Se o fim fosse desconhecido, não teríamos a crença. Ele
é uma “projeção” do indivíduo e, por isso, gera o separatismo, tornando-se uma
barreira entre vós e os outros, e isso é exatamente o que está acontecendo. Não
estou inventando uma teoria, mas sim, descrevendo um fato, um fato psicológico
e orgânico. Todos – chefes e seguidores – acreditam num padrão, porque o julgam
muito seguro. Se analisardes a crença, com muito cuidado, verificareis que ela
é uma forma de preenchimento, de exploração mútua, e que não conduz a solução
alguma. Eis o que a crença tem feito por nós.
E que significa confiança? A maioria de nós
confia em alguém ou em alguma coisa. Se praticastes uma coisa, se lestes
livros, etc., isto vos dá uma certa confiança, porque haveis praticado,
executado uma coisa muitas vezes, com confiança. É uma forma de agressividade,
isso. Sabeis fazer uma coisa, e estais satisfeitos com vós mesmos. “Sei fazer
isso, e você não sabe”. A confiança num nome, numa capacidade, é agressão, não
achais? Tal confiança é por igual exploração, a qual, também, tem a afinidade
com a crença. Por conseqüência, a crença e a confiança são coisas semelhantes.
São as duas faces da mesma moeda.
Mas, há uma outra espécie de confiança, que nasce do autoconhecimento. Não devia propriamente chamar-se confiança, mas, à falta de melhor termo,
chamemo-la “confiança”. Quando há o percebimento, quando a mente está
cônscia do que pensa, do que sente e do que faz, não só nas camadas
superficiais da consciência, mas ainda nas camadas mais profundas, quando
estamos plenamente cônscios de tudo quanto se contém na consciência, vem então um
sentimento de liberdade, de segurança, dado por esse conhecimento.
Quando sabeis reconhecer uma serpente, vós estais livre dela, não é verdade?
Quando sabeis que determinada coisa é venenosa, sentis uma segurança, uma
liberdade, até então desconhecida. Há uma segurança, uma alegria
extraordinária, uma esperança criadora, um sentimento de vitalidade, depois de
explorarmos o nosso “ego”, e nada disso se baseia na crença. Depois
de devassado o “ego”, depois que todos os seus artifícios e recessos são conhecidos
da mente, está a mente, então assegurada do seu criador, e, por conseguinte,
ela cessa de criar, e nesse cessar há criação.
Senhores, não estejais
hipnotizados. Podeis, como disse no inicio desta palestra, estar naquele estado
acolhedor, para que a semente lançada crie raízes. Espero com toda a
sinceridade que a semente haja vingado, porque não são palavras, o que vos dará
liberdade. O que vos libertará, o que livrará a todos nós do
pecado e do sofrer, é aquele sentimento, aquela percepção do que “é”.
É o conhecê-lo exatamente – e não traduzi-lo, explicá-lo, pô-lo de lado – é o
conhecê-lo exatamente, o percebê-lo livremente, que traz a liberdade. E é só
pela liberdade que se dá a conhecer a Verdade.
Krishnamurti - Do
livro: Uma Nova Maneira de Viver. - ICK
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