quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

QUEM SOFRE MAIS PRECONCEITO?

O negro, o gay e o médium: Quem sofre mais preconceito?


Essa resposta será respondida por um senhor residente na cidade de São Carlos/SP e que é negro, gay e médium. Ele afirma que o fato de ser negro nunca foi um empecilho em sua vida. Para ele, o negro, hoje em dia, já está bem inserido na sociedade, sendo aceito em praticamente todos os setores, tanto sócio-cultural como econômico.


Ele afirma ter sofrido um pouco de preconceito por ser homossexual. Porém, acredita que a sociedade não só tolera como institui que algumas profissões precisam ser praticadas por homossexuais, como se estes fossem os melhores profissionais naquela área. Ele cita, por exemplo, os cabeleireiros e até os profissionais da dança, como é o caso dele.


Enfim, segundo afirma, é como médium que sofre mais discriminação, tanto que evita falar com qualquer pessoa sobre esse potencial psíquico que o acompanha desde a infância. Ele agradece a Deus por ter descoberto que era médium antes que o rotulassem como esquizofrênico, pois poderia hoje estar internado em um hospital psiquiátrico e sendo drogado diariamente para “controle” dos “delírios” e das “alucinações”.


Ele só conversa sobre sua mediunidade com quem vai compreender o que vivencia. Hoje ele aprendeu a conviver com esse potencial psíquico que o acompanha 24 horas por dia, sem tréguas. Ele nos conta que é comum ver e ouvir os espíritos que estão ao lado das pessoas. Às vezes eles pedem para ele dar algum recado como “ser mais calmo”, “ter mais paciência” etc. E ele faz isso sem dizer para a pessoa que foi um espírito que mandou ele falar. Mas o que mais o incomoda é estar conversando com alguém e um espírito aparecer e lhe dizer para tomar cuidado e não acreditar no que a pessoa está dizendo, pois é tudo mentira. Isso é constrangedor, ele afirma, pois não pode chegar para a pessoa e dizer na cara dela que está mentindo. Em outras ocasiões, a pessoa começa a se passar por “boazinha”, como defensora dos bons costumes e da moral e os espíritos aparecem e contam tudo o que a pessoa faz escondido, demonstrando que não passa de mais uma hipócrita que fala uma coisa e faz outra. Neste caso, ele afirma, estão muitos pastores, dirigentes de centros espíritas e de outros agrupamentos religiosos.


Ele diz que não sente prazer nenhum e nem orgulho em ser médium e se existisse um remédio ou uma forma de fazê-la desaparecer de sua vida, correria para se libertar desse “fardo”, mas sabe que terá que conviver com esse potencial psíquico cotidianamente, goste ou não.


Em 2009, para uma pesquisa independente chamada “História Oral e Transcendentalismo: imagens e imaginário do invisível”, coletei um depoimento de aproximadamente 5 horas com esse senhor que pediu para ser identificado apenas como RG. Parte de seu depoimento foi transcrito e está disponível para consulta na Internet, no portal scribd, e pode ser acessado gratuitamente através do link abaixo: http://www.scribd. com/doc/22752855 /medium-gracas- a-Deus


O médium, para algumas correntes religiosas mais fanatizadas, é um ser do “demônio”, um “instrumento do mal”. E, apesar de não ser mais queimado em praças públicas como na Idade Média, tem sua qualidade de vida comprometida pela incompreensão e pelo preconceito que sofre cotidianamente no trabalho, na escola, na vida social etc. Com exceção das fraudes e do charlatanismo, que normalmente ocorrem quando há dinheiro envolvido, a mediunidade não escolhe classe social, religião ou gênero para se manifestar. E como já afirmou Nietzsche, “tudo que é feito por amor está acima do bem e do mal” e isso vale também para a mediunidade. Mas não resta dúvida que a mediunidade precisa deixar de ser encarada como um caso de saúde mental (século XX) e ser discutida no âmbito dos direitos humanos (século XXI).


Adilson Marques - doutor em Antropologia das Organizações e Educação pela USP. É autor de 17 livros sobre mediunidade, paranormalidade e imaginário. - asamar_sc@hotmail. com

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